Está tudo muito certo mas a gata
que outro mundo trará a gata que morreu?
O tempo é outro tempo nas terras pequenas
e quem de si mesmo afinal foge encontra aqui o coração em festa
As árvores são novas e no adro em rodas contra a cal e contra o frio há gente
o sol preenche tudo e é quase tão redondo como Deus
Cada coisa tem nome e reconheço o aroma das estevas
na missa o claro coro das mulheres leva os campos à igreja
e há crianças bibes saco escola sino guizos gado
o frio fecha, o sol semeia, a luz alastra e o silêncio é fundamental
— cartaz quase municipal que me recruta e traz
do fundo de umas páginas de pó ao cúmulo das folhas amarelas
reais e rituais, folhas finas das mãos de Columbano
como tudo o que gira envolto no rodar do ano
E a terra a pedra o ar opõem sempre ao céu a mesma superfície
sobre os corpos extensos sob a erva, imersos no cansaço
E eu dia após dia dado ao esforço de alongar
a morte prometida a toda a minha cara ou dissipar
a queda num lugar desde o mais alto de mim próprio
Ah! não ter eu uma só solução para tudo, tantos gestos transbordantes
em vez de dividir os dedos pelas coisas múltiplas diversas
Uma só cara uma só rua em vez de tantos traços e travessas
uma mulher, alguém capaz de partilhar
o peso que nos ombros cada dia nos puser
Mas um homem aqui renasce e repudia a morte
que lhe amarrava os braços ao quadrante do relógio
Amigos para quê? E longe de famílias e tensões,
alheio a elementos de curriculum, esquecido
até de prazos horas carreira promissora ou simples biografia
o homem vai buscar às árvores de pé pedidas pelo sol
a única possível genealogia
Pátria paraíso pétala — que nome
existe para isto que nem mesmo é alegria
nem nascer outra vez apenas, nem matar aquela fome
que o mais certinho dia sem remédio adia?!
Aqui há coisas homens pedras oliveiras animais
reunidos na vida, recortados nítidos diversos
E apesar da indispensável confusão dos versos
aqui não é possível nunca mais
trocar coisa por coisa. Aqui o dia cai
sobre a noite que sobe. Uma voz canta,
alguém além mais longe chora
O adro a árvore a casa onde se está, onde se entra e mora
Aqui o homem é… ou era mesmo agora
In a world where education is predominantly verbal, highly educated people find it all but impossible to pay serious attention to anything but words and notions. There is always money for, there are always doctorates in, the learned foolery of research into what, for scholars, is the all-important problem: Who influenced whom to say what when? Even in this age of technology the verbal humanities are honored. The non-verbal humanities, the arts of being directly aware of the given facts of our existence, ale almost completely ignored. A catalogue, a bibliography, a definitive edition of a third-rate versier's ipsissima verba, a stupendous index to end all indexes - any genuinely Alexandrian project is sure of approval and financial support: But when it comes to finding out how you and I, our children and grandchildren, may become more perceptive, more intensely aware of inward and outward reality, more open to the Spirit, less apt, by psychological malpractices, to make ourselves physically ill, and more capable of controlling our own autonomic nervous system - when it comes to any form of non-verbal education more fundamental (and more likely to be of some practical use) than Swedish drill, no really respectable person in any really respectable university or church will do anything about it. Verbalists are suspicious of the non-verbal; rationalists fear the given, non-rational fact; intellectuals feel that "what we perceive by the eye (or in any other way) is foreign to us as such and need not impress us deeply." Besides, this matter of education in the non-verbal humanities will not fit into any of the established pigeonholes. It is not religion, not neurology, not gymnastics, not morality or civics, not even experimental psychology. This being so the subject is, for academic and ecclesiastical purposes, non-existent and may safely be ignored altogether or left, with a Patronizing smile, to those whom the Pharisees of verbal orthodoxy call cranks, quacks, charlatans and unqualified amateurs. "I have always found," Blake wrote rather bitterly, "that Angels have the vanity to speak of themselves as the only wise. This they do with a confident insolence sprouting from systematic reasoning." Systematic reasoning is something we could not, as a species or as individuals, possibly do without. But neither, if we are to remain sane, can we possibly do without direct perception, the more unsystematic the better, of the inner and outer worlds into which we have been born
An hour later, with ten more miles and the visit to the World's Biggest Drug Store safely behind us, we were back at home, and I had returned to that reassuring but profoundly unsatisfactory state known as "being in one's right mind."
Let me add, before we leave this subject, that there is no form of contemplation, even the most quietistic, which is without its ethical values. Half at least of all morality is negative and consists in keeping out of mischief. The Lord's Prayer is less than fifty words long, and six of those words are devoted to asking God not to lead us into temptation. The one-sided contemplative leaves undone many things that he ought to do; but to make up for it, he refrains from doing a host of things he ought not to do. The sum of evil, Pascal remarked, would be much diminished if men could only learn to sit quietly in their rooms. The contemplative whose perception has been cleansed does not have to stay in his room. He can go about his business, so completely satisfied to see and be a part of the divine Order of Things that he will never even be tempted to indulge in what Traherne called "the dirty Devices of the world." When we feel ourselves to be sole heirs of the universe, when "the sea flows in our veins ... and the stars are our jewels," when all things are perceived as infinite and holy, what motive can we have for covetousness or self-assertion, for the pursuit of power or the drearier forms of pleasure? Contemplatives are not likely to become gamblers, or procurers, or drunkards; they do not as a rule preach intolerance, or make war; do not find it necessary to rob, swindle or grind the faces of the poor. And to these enormous negative virtues we may add another which, though hard to define, is both positive and important. The arhat and the quietist may not practice contemplation in its fullness; but if they practice it at all, they may bring back enlightening reports of another, a transcendent country of the mind; and if they practice it in the height, they will become conduits through which some beneficent influence can how out of that other country into a world of darkened selves, chronically dying for lack of it.
Se fores pela direita
Olharei em redor
Se fores pela esquerda e descansares
Olharei em redor
O meu olhar há de acompanhar-te
Como a poeira à volta dos teus pés
Se desceres à planície
E fizeres a tenda com o véu da mulher
Não desviarei o olhar
Não dividirei a túnica
Se fores pelo centro de ti mesmo
Tactearei
Abrirei a mão e estarás próximo
Basta respirares
E olharei em redor
Cruzámos nossos olhos em alguma esquina
demos civicamente os bons dias:
chamar-nos-ão vais ver contemporâneos.
Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
o António Ramos Rosa estava deitado na cama contra a parede
e deu meia volta sobre si mesmo
e ficou de cara voltada contra a parede
e fechou os olhos
e fechou a boca
e ficou todo fechado
e então morreu todo
fundo e completo de uma só vez
e apenas ele no tempo e no espaço
e só agora passado ano e meio eu compreendo
como era preciso ser assim tão íntimo para sempre
tão compacto
mais que o mundo inteiro
– e ele sou eu
António ramos rosa cuja morte0
herberto viu sem a ela assistir
estava, segundo o testemunho obtido
através da visão vinda num frio
relâmpago, deitado numa cama
a dele, contra a parede
Há que dar meia volta com a cara
contra a parede para entrar na morte
totalmente
isso aprendeu herberto e compreendeu
ao ver-se nessa morte em que não estava
que se via num espelho
As contas estão feitas e decerto fechadas
(não sei se são sinónimos os termos com que tento
descrever em que ponto
final foram deixadas)
falávamos há dias das actas que faltavam
e em falta ficaram
não as irá fazer e não sei se isso importa
só se fará a acta da entrada no fogo
ou na terra,
ar e água talvez não façam falta.
Por medo da insónia adio o sono
nas noites em que com um golpe frio
a memória levanta a onda morta
do irrecuperável: o que adio?
Estou deitado num tempo muito extenso
entre a luz e o escuro, estou perdido
entre o imaginado e a verdade
de um mundo sem imagens: o que adio
não é o sono de que temo a falta
nem o sonho feroz nele contido
é a história do corpo percutindo
na fundura impiedosa do vazio
Quando o dia
da noite se separa sem sabermos
qual deles nos prepara
seja para o passado (mas não há
preparação, sequer reparação
do que está selado)
seja para cumprir o contrato da nossa
tão incerta saída ( de que vida?)
os astros vão
esquecer-nos e deixarão por fim
que a luz abandonando a pele há tanto ao cósmico
desígnio subjugada,
não seja mais a voz outrora já
escutada
dentro do alto forno que nos forjou a cara
Aquilo a que hoje chamamos crescimento é, na realidade, uma proliferação carcinomatosa, desprovida de sentido. Actualmente assistimos a uma euforia de produção e de crescimento que faz lembrar um delírio de morte. Simula uma vitalidade que oculta a aproximação de uma catástrofe mortal. A produção assemelha-se cada vez mais a uma destruição.
Nas sociedades capitalistas, os mortos e os moribundos são cada vez menos visíveis. Mas não se pode simplesmente fazer desaparecer a morte. Se, por exemplo, a fábrica já não existe, o trabalho está por toda a parte. Se as instituições psiquiátricas desaparecem, é porque a loucura se tornou normalidade. Passa-se exactamente o mesmo com a morte. Se os mortos já não são visiveís, o rigor mortis cobre a vida. A cida petrifica-se, convertendo-se em sobrevivência. (...)
A separação entre a vida e a morte, que constitui a economia capitalista, produz a vida morta-viva, a morte em vida. O capitalismo gera uma pulsão de morte paradoxal, porque priva a vida de vida. É mortal a sua busca de uma vida sem morte. Os zombies do desempenho, do fitness ou do botox são fenómenos da vida morta-viva. Os mortos-vivos não têm vitalidade. Só é verdadeiramente viva a vida que incorpora a morte. A histeria da saúde é a manifestação biopolítica do próprio capital.
Nesta dinâmica da diluição, Bénédicte Mariolle diagnostica uma tripla convulsão: em primeiro lugar, a relação ambígua que o ser humano vive com a própria morte, considerada, por um lado, como tabu, por outro lado, cada vez mais presente de modo virtual em nossas casas, através de séries, filmes ou jogos de vídeo que a banalizam. Um segundo ponto estaria ligado à dissolução da memória colectiva, associada à fluidez das relações sociaise à voracidade da informação consumida, que desgastam uma dimensão de memória longa e colectiva associada, sobretudo, ao dinamismo simbólico da prática liturgica e comunitári dos funerais. Finalmente, a questão da inconsistência do corpo: a prática cada vez mais comum de eliminação do cadáver, seja por cremação e subsequente dispersão das cinzas, seja por outros tipos de enterro fora do contexto comunitário, afastando o corpo individual do corpo social, fragmentando este último.
em Revista Brotéria, Novembro 2022
Todos vêem que ele tem dificuldades e dizem-lhe "Podemos interromper, se está cansado. Descanse." Descansar? Não, não está cansado e acabam a partida. Estão sombrios e silenciosos. Ivan Ilitch sente que foi o responsável por aquele tom soturno, e não consegue dissipá-lo. Ceiam e separam-se, e Ivan Ilitch fica sozinho com a consciência de que a sua vida está envenenada para ele, envenena a vida dos outros e que esse veneno não diminui, mas penetra cada vez mais no seu ser.
Com essa consciência, e com a dor física e o horror, vai deitar-se na cama e muitas vezes não dorme com dores a maior parte da noite. E de manhã tem de se leveantar outra vez e veste-se, vai para o tribunal, fala, escreve, e se não vai, fica em casa com aquelas vinte e quatro horas do dia, cada uma das quais um tormento. E tem de viver assim à beira da morte sozinho, sem uma única pessoa que o compreenda e tenha pena dele.
Muito depressa, não mais que um ano depois do casamento, Ivan Ilitch compreendeu que a vida conjugal, embora acrescente algum conforto à vida, no fundo é um assunto muito complicado e difícil em relação ao qual, para cumprir o seu dever, isto é para levar uma vida honesta, aprovada pela sociedade, é necessária uma atitude determinada, tal como para as funções oficiais.
E Ivan Ilitch adoptou essa atitude em relação à vida de casado. Exigia da vida familiar apenas os confortos - o jantar, a esposa em casa, a cama - que ela lhe podia dar, e principalmente uma decência exterior, detrminada pela opinião pública.
Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy!
What sphinx of cement and aluminum bashed open their skulls and ate up their brains and imagination?
Moloch! Solitude! Filth! Ugliness! Ashcans and unobtainable dollars! Children screaming under the stairways! Boys sobbing in armies! Old men weeping in the parks!