terça-feira, 12 de abril de 2022

A ideia de Europa

A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes esten‑ dem‑se do café lisboeta preferido de Fernando Pessoa aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Estendem‑se dos cafés de Copenhaga, diante dos quais Kierkegaard passava durante as suas pensativas caminhadas, até aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos nem característicos em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Muito poucos em Ingla‑ terra, depois de uma breve moda durante o século xviii. Nenhum na América do Norte, excetuando no entreposto francês que é Nova Orleães. Desenhe‑se o mapa das cafetarias e teremos uma das marcas essen‑ ciais da “ideia de Europa”. 

O café é um espaço para encontros amorosos e cons‑ pirações, para o debate intelectual e a bisbilhotice, para o flâneur e para o poeta ou o metafísico com o seu ca‑ derninho. Está aberto a todos, mas ao mesmo tempo é um clube, uma franco‑maçonaria de reconhecimento político ou artístico‑literário e de presença programáti‑ ca. Uma chávena de café, um copo de vinho, um chá com rum garantem um local onde trabalhar, sonhar, jo‑ gar xadrez ou simplesmente manter‑se quente durante todo o dia. É o clube do espírito e a posta‑restante do sem‑abrigo. Na Milão de Stendhal, na Veneza de Casa‑ nova, na Paris de Baudelaire, o café dava guarida ao que houvesse de oposição política, de liberalismo clandestino. Na Viena imperial e de entre guerras, três cafés prin‑ cipais providenciavam a ágora, um ponto de eloquência e de rivalidade, de diferentes escolas estéticas e de eco‑ nomia política, de psicanálise e de filosofia. Quem qui‑ sesse encontrar‑se com Freud ou Karl Kraus, Musil ou Carnap, sabia exatamente em que café procurá‑los, a que Stammtisch se devia sentar. Danton e Robespierre encontraram‑se pela última vez no Procope. Quando as luzes se apagam na Europa, em agosto de 1914, Jaurès é assassinado num café. Num café de Genebra, Lenine escreve o seu tratado sobre o empiriocriticismo e joga xadrez com Trotsky.

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