terça-feira, 29 de março de 2022

Walden ou a vida nos bosques

 Costumo pensar que os homens não são tanto os guardadores de rebanhos quanto os rebanhos são os guardadores dos homens, pois aqueles são bem mais livres. Homens e bois trocam serviços; mas se considerarmos apenas o trabalho necessário, os bois levam vantagem, o campo deles sendo bem maior. No trabalho de intercâmbio o homem faz um pouco do que lhe cabe nas seis semanas de coleta do feno, faina que não é brincadeira. Certamente nenhuma nação que vivesse com simplicidade em todos os aspectos, isto é, nenhuma nação de filósofos cometeria o desatino de usar o trabalho dos animais. É verdade que nunca houve e é provável que nunca venha a existir uma nação de filósofos, nem tampouco estou convicto de que tal existência seja desejável. Entretanto, eu jamais amansaria ou alimentaria um cavalo ou um touro por conta de qualquer serviço que viesse a me prestar, simplesmente por medo de me tornar cavaleiro ou vaqueiro; e se a sociedade aparentemente ganha procedendo assim, estaremos certos de que o que representa lucro para uma pessoa não representa prejuízo para outra, e de que o garoto da cavalariça não mereça sentir-se tão satisfeito quanto o patrão? Concordo que certas obras públicas não teriam sido executadas sem esse tipo de ajuda, e que o homem divida tal glória com o boi e o cavalo; deduz-se daí que sozinho o homem não teria realizado obras ainda mais dignas de si? Quando os homens começam a fazer algo, não apenas supérfluo ou artístico mas faustoso e inútil, com a assistência dos animais, torna-se inevitável que alguns poucos façam o trabalho permutável com bois, ou, em outras palavras, que se convertam nos escravos dos mais fortes. Desse modo o homem não trabalha apenas para o animal que há dentro dele, mas por um símbolo, para o que há fora dele. Embora disponhamos de muitas casas imponentes, quer de tijolos, quer de pedras, a prosperidade do fazendeiro ainda se calcula pela proporção em que o estábulo sobrepuja a casa. Esta cidade é conhecida em todos os arredores por possuir as maiores estrebarias para bois, vacas e cavalos, construções que não ficam a dever nem aos edifícios públicos; por outro lado contam-se nos dedos os locais aqui onde se pode rezar ou discursar com total liberdade. Em vez de se autocelebrarem por meio da arquitetura, as nações não deveriam fazê-lo pelo poder de seu pensamento abstrato? O Bhagvat-Gita é muito mais admirável que todas as ruínas do Oriente. Torres e templos são luxo de príncipes. A mente simples e livre não moureja sob as ordens de nenhum príncipe. O espírito não é privilégio de nenhum imperador, nem lhe são exclusivos, a não ser em insignificante medida, a prata, o ouro e o mármore. Digam-me com que finalidade se malha tanta pedra? Quando estive na Arcádia, não vi pedras sendo lavradas. As nações são possuídas pela louca ambição de perpetuarem sua memória com a soma de esculturas que deixam. Que tal se esforços semelhantes fossem despendidos no sentido de aperfeiçoar e polir sua conduta? Uma obra de bom senso seria mais memorável que um monumento da altura da lua. Prefiro contemplar as pedras em seu lugar de origem. A grandeza de Tebas foi uma grandeza vulgar. O curto muro de pedras que delimita o terreno do homem honesto tem mais cabimento que as cem portas de Tebas estendendo-se além do verdadeiro fim da vida. Enquanto religiões e civilizações bárbaras e pagãs constroem templos esplêndidos, o que podeis chamar de cristandade, não o faz. A maioria da pedra que a nação talha se destina ao próprio túmulo. A nação se enterra viva.

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