segunda-feira, 18 de maio de 2009

O Retrato

Já começavam a propor-lhe cargos honoríficos, a convidá-lo para examinador, para ser membro de comissões. Já começava, como sempre acontece na idade madura, a ser adepto de Rafael e dos outros pintores antigos - não porque se tivesse convencido do alto valor desses pintores, mas para alfinetar com os seus nomes os jovens pintores. Já começava, como é costume da gente que atinge determinada idade, a censurar indiscriminadamente a juventude por ser imoral e pelas suas tendências de espírito perniciosas. Já começava a acreditar que tudo no mundo se fazia naturalmente, que não existia inspiração divina e que tudo devia ser sujeito a uma única ordem rigorosa de pontualidade e de uniformidade. Enfim, a sua vida já rasava aquela idade em que tudo o que respirava entusiasmo se encolhe, em que o som do poderoso violino já chega fraco à alma e não envolve o coração de melodia penetrante, em que um toque do belo já não transforma as forças virgens em chamas, em que todos os sentimentos embotados se tornam mais sensíveis ao tilintar do outo, escutam com maior atenção a sua música sedutora e, a pouco e pouco, sem se dar por isso, se deixam adormecer por completo.

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