Acontece, porém, que não estamos hoje em boa posição para apreciar tal novidade agostiniana. Somos herdeiros de uma modernidade que parece ter percorrido todos os caminhos da subjectividade, desde os mais transpa- rentes – de Descartes a Husserl – até os mais escabrosos e obscuros: Mar- quês de Sade, S. Freud, J.-P. Sartre et alii. Com efeito, podemos até ficar incomodados e sentir-nos agredidos ou manipulados com o género confes- sional, fartos que estamos da atroz e despudorada exposição pública da inti- midade em programas televisivos (de teor familiar, amoroso, religioso, etc.), onde proliferam os programas-confessionário, bem assim os temas do jorna- lismo tablóide e persecutório que devassa a vida privada. Parece que o espaço público da pólis, mercê do apelo mediático, se transformou em vomitório público. Já não há palavra, mas ruídos e dejectos no meio dos quais cada um clama pelo seu minuto de protagonismo, exibindo (literalmente) o umbigo narcísico e o seu fetiche, querendo erigir a pequenina história mais ou me- nos bizarra, em grande narrativa e modelo universalizável, mesmo à custa de expor a vida privada e esventrar a dignidade pessoal. Afirma G. Steiner, cri- ticando a patologia do actual desejo de exposição mediática:
(...) Detesto esta explosão de indiscrição total que caracteriza a nossa época, onde não há mais vida privada. Esta doença da confissão não me interessa. É uma coisa que destrói a possibilidade de haver política em democracia, porque ninguém pode sobreviver a um exame minucioso de cada detalhe da sua vida privada: sabemo-lo bem; tal destrói uma certa dignidade interior..
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