Se a leitura das estrelas, das vísceras, dos acasos, era, nos tempos primitivos da humanidade, a única leitura, se existiram mais tarde elos de mediação para uma nova leitura, como o foram as runas, pode supor-se que aquele dom mimético, que fora outrora o fundamento da clarividência, se tenha gradualmente transferido, ao longo de milénios de evolução, para a linguagem e para a escrita, criando nelas o mais perfeito arquivo de semelhanças não físicas. Desta maneira a linguagem seria a utilização superior da faculdade mimética: um medium no qual as faculdades primitivas de percepção das semelhanças penetraram tão profundamente, que ela agora representa o medium em que as coisas se encontram e se relacionam entre si, já não directamente como outrora, no espírito do vidente ou do sacerdote, mas nas suas essências, nas substâncias mais fugazes e subtis, mesmo nos aromas. Por outras palavras: foi à escrita e à fala que a clarividência, ao longo da história, cedeu as suas antigas forças. No entanto o "ritmo", a velocidade na leitura ou na escrita, que dificilmente se pode separar deste processo, seria como que a preocupação ou o dom de fazer o espírito participar na dimensão temporal, em que as semelhanças irrompem transitoriamente do fluxo das coisas, para desaparecerem logo a seguir. Assim até a leitura profana - se quiser ser simplesmente compreensível - partilha com a leitura mágica a dependência de um "ritmo" necessário, ou antes de um momento crítico que o leitor não pode, de modo algum, esquecer se não quiser ficar de mãos vazias.
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
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