Sigamos Valter Hugo Mãe, se quisermos ver em funcionamento, sem hesitações nem álibis, a máquina de destruir escritores. A engrenagem subiu ao palco, sob a forma de tragicomédia, no festival de Paraty, de onde saiu uma personagem grotesca que se oferece em espectáculo numa representação de cabaré, amplificada por aplausos emocionados de espectadores que gostam do teatro das emoções e acham que um escritor é tanto melhor quanto mais escreve como respira, isto é, como mente. A maquinação continuou por conta da editora, que tem os seus dispositivos de destruição afinados pela cega engenharia de promoção de produtos editoriais. Finalmente, a grande engenhoca do lançamento, para a qual se convocou o mais respeitável construtor da nossa democracia para a tarefa de mobilização nacional em torno do escritor, coroou este percurso pelo qual um romance passa a ter um destino extraliterário. A ideia que está na base é a de que a literatura precisa de ser dissimulada e integrada nos mecanismos espectaculares para ter sucesso. Terminada a festa da destruição do escritor, fica o objecto desamparado do romance, no meio dos destroços. Quem, por dever do ofício, por curiosidade ou porque não se pode subtrair à 'actualidade', assistiu aos actos preparatórios da implosão, só tem um desejo, que, a cumprir-se, proporcionaria o júbilo pérfido da vingança: que o romance se erga acima do seu autor, apesar dele, ignorando os seus desvarios e as engenhocas promocionais de destruir escritores. Infelizmente, o desejo não se cumpre, o júbilo perverso fica adiado e o dito romance, tão patético como a engrenagem destrutiva que preparou o seu aparecimento, faz-nos passar por aquela experiência muito embaraçosa de sentir a vergonha que caberia ao outro. Nem um deus, quando mais um filho, o pode salvar.
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
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