sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Areopagítica

Platão, que era de facto um homem de grande autoridade, que não lhe adveio decerto da sua República, no livro das Leis, que nenhuma cidade adoptou ainda, deu largas à sua fantasia, elaborando uma série de decretos para os seus petulantes burgomestres, que aqueles que em tudo o mais o admiram prefeririam desculpar como resultado de alguma noite de farra na Academia. A julgar por essas leis, Platão parecia não tolerar qualquer tipo de conhecimento para além do imutavelmente estabelecido, constituído sobretudo por tradições práticas, e para a aprendizagem do qual uma biblioteca de menos volume que os seus próprios Diálogos seria mais do que suficiente. E decretava também que nenhum poeta pudesse sequer ler os seus escritos a um cidadão particular antes de os juízes e os agentes da lei os terem examinado e permitido. Mas é evidente que Platão comcebeu esta lei especificamente para a República que imaginara e para nenhuma outra. Caso contrário, por que não aplicaria ele as suas leis a si mesmo, comportando-se como um transgressor que deveria ser expulso pelos seus próprios magistrados, tanto pela ousadia dos diálogos e epigramas que escreveu como pela sua constante leitura de Sófon Mimo e Aristófanes, autores da mais declarada infâmia, tendo inclusivamente recomendado a leitura do segundo - e não obstante ser ele um malicioso difamador dos seus melhores amigos - ao tirano Dionísio, que não precisava de semenlhante lixo para preencher os tempos livres? Mas Platão sabia que esta censura dos poemas estava intimamente relacionada com - e dependente de - muitas outras regras previstas para a sua república imaginária, que não poderia ter lugar neste mundo; e daí que nem ele nem nenhum outro magistrado ou cidade tenham alguma vez adoptado essa prática que, isolada de outras normas conexas, se revelaria forçosamente vã e infrutífera. Pois se o rigor recaísse apenas sobre uma matéria, sem demonstrarem idêntico zelo em regulamentar todas as outras coisas igualmente susceptíveis de corromper a mente, esse esforço isolado não passaria, como bem sabiam, de um trabalho inútil - seria o mesmo que fechar e reforçar uma portada contra a corrupção, deixando as outras ao lado totalmente escancaradas.

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