Platão, que era de facto um homem de grande autoridade, que não lhe adveio decerto da sua República, no livro das Leis, que nenhuma cidade adoptou ainda, deu largas à sua fantasia, elaborando uma série de decretos para os seus petulantes burgomestres, que aqueles que em tudo o mais o admiram prefeririam desculpar como resultado de alguma noite de farra na Academia. A julgar por essas leis, Platão parecia não tolerar qualquer tipo de conhecimento para além do imutavelmente estabelecido, constituído sobretudo por tradições práticas, e para a aprendizagem do qual uma biblioteca de menos volume que os seus próprios Diálogos seria mais do que suficiente. E decretava também que nenhum poeta pudesse sequer ler os seus escritos a um cidadão particular antes de os juízes e os agentes da lei os terem examinado e permitido. Mas é evidente que Platão comcebeu esta lei especificamente para a República que imaginara e para nenhuma outra. Caso contrário, por que não aplicaria ele as suas leis a si mesmo, comportando-se como um transgressor que deveria ser expulso pelos seus próprios magistrados, tanto pela ousadia dos diálogos e epigramas que escreveu como pela sua constante leitura de Sófon Mimo e Aristófanes, autores da mais declarada infâmia, tendo inclusivamente recomendado a leitura do segundo - e não obstante ser ele um malicioso difamador dos seus melhores amigos - ao tirano Dionísio, que não precisava de semenlhante lixo para preencher os tempos livres? Mas Platão sabia que esta censura dos poemas estava intimamente relacionada com - e dependente de - muitas outras regras previstas para a sua república imaginária, que não poderia ter lugar neste mundo; e daí que nem ele nem nenhum outro magistrado ou cidade tenham alguma vez adoptado essa prática que, isolada de outras normas conexas, se revelaria forçosamente vã e infrutífera. Pois se o rigor recaísse apenas sobre uma matéria, sem demonstrarem idêntico zelo em regulamentar todas as outras coisas igualmente susceptíveis de corromper a mente, esse esforço isolado não passaria, como bem sabiam, de um trabalho inútil - seria o mesmo que fechar e reforçar uma portada contra a corrupção, deixando as outras ao lado totalmente escancaradas.
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
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