Vila Nova, 7 de Novembro de 1934
Acabou hoje tudo. Como sempre, fiquei derrotado. Quando já não era possível ter ilusões, agarrava-me a uma ilusão ainda maior e... esperava. É coisa que nunca pude destruir em mim: a ideia de que um ser, desde que nasce, fica logo com direito (e obrigação) de viver os sessenta anos da média. Pelo menos os sessenta anos da média.
Muitas vezes me aconteceu ir a férias e assistir a uma sementeira de meu Pai. Depois, ver o milhão ou o linho a despontar. E, embora sabendo que aquelas vidas eram efémeras, voltar à leira nas férias seguintes e ficar desolado ao ver lá, em vez de linho ou milhão, um batatal espesso. E dizer a meu Pai: «— Então o linho que havia aqui? — Colheu-se em Agosto, filho.» Em Agosto, realmente, o linho amadurece. Nos curtos meses que a naturezadetermina, tira ao sol o mais calor que pode e enche-se dele. Depois dá sinais de cansaço, e morre. Mas este pequenito ainda não tinha bebido nenhum sol. Ainda estava na primeira semana. Nem o caule sobriamente fibroso, nem a flor azul e delicada, nem a semente parda e madura. E foi por tudo isto que, ao chegar
ao quarto, tive a sensação mais dolorosa da minha vida. Ali estava, ainda não substituído por cevada ou centeio, mas prestes. A mãe lavada em pranto. E ele, muito branco, muito discreto, voltado para a parede, a renegar de costas os remédios inúteis espalhados pela mesa-de-cabeceira.
Um médico nem sequer pode chorar. Só pode pegar no bracito magro e morno, apertar a artéria inerte e ficar uns segundos a trincar os dentes. Depois sair sem dizer nada. Quem saberá por aí uma palavra para estes momentos? Uma palavra para um médico dizer a esta mãe, que entregou à vida um filho vivo e recebeu da vida um filho morto.
Sem comentários:
Enviar um comentário