domingo, 14 de dezembro de 2008

A Peste

É ainda por isso que esta epidemia não me ensina nada, senão que é preciso combatê-la ao seu lado. Sei, de ciência certa, - sim, Rieux, sei tudo da vida, bem vê - que cada um traz em si a peste, porque ninguém, não, ninguém no mundo está indemne dela. Sei ainda que é preciso vigiar-se sem descanso para não se ser levado, num minuto de distracção, a respirar para a cara de outrem e a transmitir-lhe a infecção. O que é natural é o micróbio. O resto - a saúde, a integridade, a pureza, se quiser - é o efeito da vontade, de uma vontade que não deve jamais vergar. O homem honesto, aquele que não infecta quase ninguém, é aquele que tem o menor número de distracções possível. E se é preciso ter vontade e tensão para nunca se estar distraído! Sim, Rieux, é bem fatigante ser um pestiferado. Mas é ainda mais fatigante não querer sê-lo. É por isso que toda a gente se mostra fatigada, visto que toda a gente, hoje em dia, se encontra um pouco pestiferada. Mas é por isso que alguns que querem deixar de o ser conhecem um extremo de fadiga de que já nada os libertará, a não ser a morte.

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