quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Sodoma e Gomorra

Albertine não me dava mais que a sua palavra, uma palavra peremptória e não apoiada em provas. Mas isso era justamente o que melhor me podia acalmar, pois o ciúme pertence àquela família de dúvidas mórbidas suprimidas muito mais pela energia de uma afirmação que pela sua verosimilhança. Aliás, é próprio do amor tornar-nos ao mesmo tempo mais desconfiados e mais crédulos, fazer-nos suspeitar da mulher amada mais depressa do que o faríamos de outra pessoa e acreditar mais facilmente nas suas negativas. É preciso amar para nos preocuparmos com o facto de não haver apenas mulheres honestas, o mesmo é dizer para darmos por isso, e é igualmente preciso amar para desejar que existam, isto é, para ter a certeza de que existem. É humano procurarmos a dor e logo depois livrarmo-nos dela. As propostas capazes de o conseguir parecem-nos facilmente verdadeiras, não se contesta muito um calmante que produz efeito. E, além disso, por muito múltipla que seja a criatura que amamos, pode sempre apresentar-nos duas personalidades essenciais, consoante nos aparece como nossa ou como dirigindo os seus desejos para outros lados que não para nós. A primeira dessas personalidades possui o poder especial de nos impedir de acreditar na realidade da segunda, possui o segredo específico para acalmar os sofrimentos que esta última causou. O ser amado é sucessivamente o mal e o remédio que suspende e agrava o mal.

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