segunda-feira, 31 de março de 2008

Racine e Shakespeare

Ter ilusões, estar na ilusão, significa enganar-se, segundo diz o dicionário da Academia. Uma ilusão, diz o Sr. Guizot, é o efeito de uma coisa ou de uma ideia que nos ludibria com uma aparência enganadora. Ilusão significa pois a acção de um homem que acredita na coisa que não é., como nos sonhos, por exemplo. A ilusão teatral será a acção de um homem que acredita como sendo verdadeiramente existentes as coisas que se passam em cena.
No ano passado (Agosto de 1822), o soldado que estava de sentinela no interior do teatro de Baltimore, vendo Otelo que, no quinto acto da tragédia com esse nome, ia matar Desdémona, exclama: «Nunca se terá dito que na minha presença um negro maldito terá morto uma mulher branca.» No mesmo momento o soldado dá o tiro com a sua espingarda e parte um braço ao actor que fazia de Otelo. Não se passa um ano sem que os jornais relatem factos semelhantes. Pois bem! este soldado tinha a ilusão, acredutava ser verdadeira a acção que se passava em cena. Mas um espectador vulgar, no instante mais vivo do seu prazer, no momento em que aplaude com entusiasmo Talma-Mânlio dizendo ao seu amigo «conheces este texto?», pelo simples facto de estar a aplaudir, não tem a ilusão completa, porque aplaude Talma, a sua acção e não o romano Mânlio; Mânlio não faz nada para ser aplaudido, a sua acção é muito simples e totalmente em interesse próprio.

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