segunda-feira, 15 de abril de 2024

Um dia não muito longe não muito perto

Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?

Portugal Sacro-profano (Mercados dos Santos, em Nisa)

O tempo é outro tempo nas terras pequenas 

e quem de si mesmo afinal foge encontra aqui o coração em festa 

As árvores são novas e no adro em rodas contra a cal e contra o frio há gente 

o sol preenche tudo e é quase tão redondo como Deus 

Cada coisa tem nome e reconheço o aroma das estevas 

na missa o claro coro das mulheres leva os campos à igreja 

e há crianças bibes saco escola sino guizos gado 

o frio fecha, o sol semeia, a luz alastra e o silêncio é fundamental 

— cartaz quase municipal que me recruta e traz 

do fundo de umas páginas de pó ao cúmulo das folhas amarelas 

reais e rituais, folhas finas das mãos de Columbano 

como tudo o que gira envolto no rodar do ano 

E a terra a pedra o ar opõem sempre ao céu a mesma superfície 

sobre os corpos extensos sob a erva, imersos no cansaço 

E eu dia após dia dado ao esforço de alongar 

a morte prometida a toda a minha cara ou dissipar 

a queda num lugar desde o mais alto de mim próprio 

Ah! não ter eu uma só solução para tudo, tantos gestos transbordantes 

em vez de dividir os dedos pelas coisas múltiplas diversas 

Uma só cara uma só rua em vez de tantos traços e travessas 

uma mulher, alguém capaz de partilhar 

o peso que nos ombros cada dia nos puser 

Mas um homem aqui renasce e repudia a morte 

que lhe amarrava os braços ao quadrante do relógio

Amigos para quê? E longe de famílias e tensões, 

alheio a elementos de curriculum, esquecido 

até de prazos horas carreira promissora ou simples biografia 

o homem vai buscar às árvores de pé pedidas pelo sol 

a única possível genealogia 

Pátria paraíso pétala — que nome 

existe para isto que nem mesmo é alegria 

nem nascer outra vez apenas, nem matar aquela fome 

que o mais certinho dia sem remédio adia?! 

Aqui há coisas homens pedras oliveiras animais 

reunidos na vida, recortados nítidos diversos 

E apesar da indispensável confusão dos versos 

aqui não é possível nunca mais 

trocar coisa por coisa. Aqui o dia cai 

sobre a noite que sobe. Uma voz canta, 

alguém além mais longe chora 

O adro a árvore a casa onde se está, onde se entra e mora 

Aqui o homem é… ou era mesmo agora

sábado, 13 de abril de 2024

The Doors of Perception

 In a world where education is predominantly verbal, highly educated people find it all but impossible to pay serious attention to anything but words and notions. There is always money for, there are always doctorates in, the learned foolery of research into what, for scholars, is the all-important problem: Who influenced whom to say what when? Even in this age of technology the verbal humanities are honored. The non-verbal humanities, the arts of being directly aware of the given facts of our existence, ale almost completely ignored. A catalogue, a bibliography, a definitive edition of a third-rate versier's ipsissima verba, a stupendous index to end all indexes - any genuinely Alexandrian project is sure of approval and financial support: But when it comes to finding out how you and I, our children and grandchildren, may become more perceptive, more intensely aware of inward and outward reality, more open to the Spirit, less apt, by psychological malpractices, to make ourselves physically ill, and more capable of controlling our own autonomic nervous system - when it comes to any form of non-verbal education more fundamental (and more likely to be of some practical use) than Swedish drill, no really respectable person in any really respectable university or church will do anything about it. Verbalists are suspicious of the non-verbal; rationalists fear the given, non-rational fact; intellectuals feel that "what we perceive by the eye (or in any other way) is foreign to us as such and need not impress us deeply." Besides, this matter of education in the non-verbal humanities will not fit into any of the established pigeonholes. It is not religion, not neurology, not gymnastics, not morality or civics, not even experimental psychology. This being so the subject is, for academic and ecclesiastical purposes, non-existent and may safely be ignored altogether or left, with a Patronizing smile, to those whom the Pharisees of verbal orthodoxy call cranks, quacks, charlatans and unqualified amateurs. "I have always found," Blake wrote rather bitterly, "that Angels have the vanity to speak of themselves as the only wise. This they do with a confident insolence sprouting from systematic reasoning." Systematic reasoning is something we could not, as a species or as individuals, possibly do without. But neither, if we are to remain sane, can we possibly do without direct perception, the more unsystematic the better, of the inner and outer worlds into which we have been born

sexta-feira, 12 de abril de 2024

VAT 69

Era depois da morte herberto helder
Ia fazer três anos que morrêramos
três anos dia a dia descontados no relógio
da torre que de sombra nos cobriu a infância:
rodas no adro - gira a borboleta que se atira ao ar
o jogo do berlinde o trinta e um pedradas
nas cabeças nos ninhos nas vidraças
Foi quando verdadeiramente começou
a conspiração dos líquenes cabelos e avencas
na mina onde molhámos nossos jovens pés
e tirámos retratos pra morrer mais uma vez
Os nossos filhos - nós outra vez crianças -
comiam e gostavam das laranjas essas mesmas laranjas
que mordemos em tempos ao chegar nas férias de natal
no quintal que as máximas mãos deixaram já depois abandonado
Era a seguir à morte meu poeta
era na meninice havia festa e na sala da entrada
pensávamos na morte - nunca mais - pela primeira vez
Trincávamos cheirávamos maçãs no muro sobre a praia
roubávamos o balde ou íamos atrás do homem dos robertos
Era nas férias havia o mar e íamos à missa
ouvíamos a campainha e o padre voltava-se pra nós
-orate frates - ou íamos ao cemitério apesar do catitinha
Era depois da morte sobre a plana infância
o primeiro natal o cheiro do jornal
lido na adega ou na casa do forno
sentados pensativos sobre a terra húmida
Era na infância o sol caía enquanto água corria
entre os pés de feijão e os buracos de toupeiras
calcados prontamente pelas botas
soprava o vento e vinha a moinha da eira
o cão comia o bolo e morria debaixo da figueira
e teria sepultura com enterro e cruz e muitas flores
Havia casamentos o meu pai falava
e os noivos deitavam-nos confeitos das carroças
E os registos mistério tempo da prenhez
Era talvez no outono havia asma
havia a festa da azeitona havia os fritos
ao domingo havia os bêbados estendidos pelas ruas
havia tanta coisa no outono havia o cristovam pavia
Era a primavera o rio rápido subia
os barcos navegavam entre a vinha
e alastrava a sombra e a tarde adensava-se
num espesso e branco nevoeiro de algodão
noite dos candeeiros sombras nas paredes
e minha mãe pegava na espingarda ia à janela
e ouvia-se o chumbo no telhado lá ao longe
O leovigildo o marcolino o sítio do miguel
a sesta a monda das mulheres
a queda do bizarro exposto na igreja
isso e o almoço a saber mal
quando vinham da escola pra saber significados
Eram as despedidas de coelhos e galinhas antes das viagens
Eram as festas era o roubo dos melões
era a menstruação oculta da criada
Era talvez em tempos de tormenta
havia ferros entre a palha por baixo da galinha
que chocava os ovos dentro de um velho cesto
eram as nossas casa em adobe
e era o carnaval os bailes os cortejos
Íamos para a praia e eu lia camilo
ouvia o mar bater sem conseguir compreender
como podia estar ali se tinha estado noutro sítio
Era o tempo dos primeiros amores
eu via o pavão adoecia e só muito mais tarde lia
o trecho que me competia entre as amadas raparigas
A casa não ficava muito longe dos montes
não havia a cidade nem os outros
punham ainda em causa o meu reino de deus
senhor de tudo o que depois não tive
Era depois da morte ou era antes da morte?
Mas haveria a morte verdadeiramente?
Lia o paulo e virgínia chorava e perguntava
se tudo aquilo tinha acontecido
Era o meu pai era esse sonhador incorrigível
sem nunca mais saber que havia de fazer dos dias
Eram as folhas novas eram os perdigotos
saídos não há muito ainda da casca
Era era tanta coisa
Seria realmente após a morte herberto helder

The Doors of Perception

 An hour later, with ten more miles and the visit to the World's Biggest Drug Store safely behind us, we were back at home, and I had returned to that reassuring but profoundly unsatisfactory state known as "being in one's right mind."

quarta-feira, 10 de abril de 2024

The Doors of Perception

 Let me add, before we leave this subject, that there is no form of contemplation, even the most quietistic, which is without its ethical values. Half at least of all morality is negative and consists in keeping out of mischief. The Lord's Prayer is less than fifty words long, and six of those words are devoted to asking God not to lead us into temptation. The one-sided contemplative leaves undone many things that he ought to do; but to make up for it, he refrains from doing a host of things he ought not to do. The sum of evil, Pascal remarked, would be much diminished if men could only learn to sit quietly in their rooms. The contemplative whose perception has been cleansed does not have to stay in his room. He can go about his business, so completely satisfied to see and be a part of the divine Order of Things that he will never even be tempted to indulge in what Traherne called "the dirty Devices of the world." When we feel ourselves to be sole heirs of the universe, when "the sea flows in our veins ... and the stars are our jewels," when all things are perceived as infinite and holy, what motive can we have for covetousness or self-assertion, for the pursuit of power or the drearier forms of pleasure? Contemplatives are not likely to become gamblers, or procurers, or drunkards; they do not as a rule preach intolerance, or make war; do not find it necessary to rob, swindle or grind the faces of the poor. And to these enormous negative virtues we may add another which, though hard to define, is both positive and important. The arhat and the quietist may not practice contemplation in its fullness; but if they practice it at all, they may bring back enlightening reports of another, a transcendent country of the mind; and if they practice it in the height, they will become conduits through which some beneficent influence can how out of that other country into a world of darkened selves, chronically dying for lack of it.

terça-feira, 9 de abril de 2024

The Doors of Perception

We live together, we act on, and react to, one another; but always and in all circumstances we are by ourselves. The martyrs go hand in hand into the arena; they are crucified alone. Embraced, the lovers desperately try to fuse their insulated ecstasies into a single self-transcendence; in vain. By its very nature every embodied spirit is doomed to suffer and enjoy in solitude. Sensations, feelings, insights, fancies—all these are private and, except through symbols and at second hand, incommunicable. We can pool information about experiences, but never the experiences themselves. From family to nation, every human group is a society of island universes

terça-feira, 2 de abril de 2024

Separação de Abrãao e Lot

Se fores pela direita

Olharei em redor

Se fores pela esquerda e descansares

Olharei em redor


O meu olhar há de acompanhar-te

Como a poeira à volta dos teus pés


Se desceres à planície

E fizeres a tenda com o véu da mulher

Não desviarei o olhar

Não dividirei a túnica


Se fores pelo centro de ti mesmo

Tactearei

Abrirei a mão e estarás próximo

Basta respirares

E olharei em redor

sábado, 30 de março de 2024

Percurso

3

Cumpro a vocação de não poder.

sexta-feira, 29 de março de 2024

Epígrafe para a nossa solidão

Cruzámos nossos olhos em alguma esquina

demos civicamente os bons dias:

chamar-nos-ão vais ver contemporâneos.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Anteaurora

Pai

Tenho medo de morrer depois da morte

Tenho medo de morrer antes da vida

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Livro de sonetos

Não comerei da alface a verde pétala

Nem da cenoura as hóstias desbotadas

Deixarei as pastagens às manadas

E a quem mais aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro; deem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Poemas canhotos

 o António Ramos Rosa estava deitado na cama contra a parede 

e deu meia volta sobre si mesmo 

e ficou de cara voltada contra a parede 

e fechou os olhos 

e fechou a boca

e ficou todo fechado 

e então morreu todo 

fundo e completo de uma só vez 

e apenas ele no tempo e no espaço 

e só agora passado ano e meio eu compreendo 

como era preciso ser assim tão íntimo para sempre 

tão compacto 

mais que o mundo inteiro

 – e ele sou eu

domingo, 26 de novembro de 2023

Visão de Herberto Helder da morte de António Ramos Rosa

António ramos rosa cuja morte0

herberto viu sem a ela assistir 

estava, segundo o testemunho obtido 

através da visão vinda num frio 

relâmpago, deitado numa cama 

a dele, contra a parede 


Há que dar meia volta com a cara 

contra a parede para entrar na morte 

totalmente 

isso aprendeu herberto e compreendeu 

ao ver-se nessa morte em que não estava 

que se via num espelho

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Na morte de um contabilista

 As contas estão feitas e decerto fechadas

(não sei se são sinónimos os termos com que tento

descrever em que ponto

final foram deixadas)


falávamos há dias das actas que faltavam

e em falta ficaram


não as irá fazer e não sei se isso importa

só se fará a acta da entrada no fogo

ou na terra,

ar e água talvez não façam falta.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Golpe

Por medo da insónia adio o sono

nas noites em que com um golpe frio

a memória levanta a onda morta

do irrecuperável: o que adio?

Estou deitado num tempo muito extenso
entre a luz e o escuro, estou perdido
entre o imaginado e a verdade
de um mundo sem imagens: o que adio

não é o sono de que temo a falta
nem o sonho feroz nele contido
é a história do corpo percutindo
na fundura impiedosa do vazio

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

O forno e a face

Quando o dia 

da noite se separa sem sabermos 

qual deles nos prepara 


seja para o passado (mas não há

preparação, sequer reparação 

do que está selado) 


seja para cumprir o contrato da nossa 

tão incerta saída ( de que vida?) 

os astros vão 


esquecer-nos e deixarão por fim 

que a luz abandonando a pele há tanto ao cósmico 

desígnio subjugada, 


não seja mais a voz outrora já 

escutada 

dentro do alto forno que nos forjou a cara

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Capitalismo e pulsão de morte

 Aquilo a que hoje chamamos crescimento é, na realidade, uma proliferação carcinomatosa, desprovida de sentido. Actualmente assistimos a uma euforia de produção e de crescimento que faz lembrar um delírio de morte. Simula uma vitalidade que oculta a aproximação de uma catástrofe mortal. A produção assemelha-se cada vez mais a uma destruição.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Capitalismo e pulsão de morte

 Nas sociedades capitalistas, os mortos e os moribundos são cada vez menos visíveis. Mas não se pode simplesmente fazer desaparecer a morte. Se, por exemplo, a fábrica já não existe, o trabalho está por toda a parte. Se as instituições psiquiátricas desaparecem, é porque a loucura se tornou normalidade. Passa-se exactamente o mesmo com a morte. Se os mortos já não são visiveís, o rigor mortis cobre a vida. A cida petrifica-se, convertendo-se em sobrevivência. (...)  

A separação entre a vida e a morte, que constitui a economia capitalista, produz a vida morta-viva, a morte em vida. O capitalismo gera uma pulsão de morte paradoxal, porque priva a vida de vida. É mortal a sua busca de uma vida sem morte. Os zombies do desempenho, do fitness ou do botox são fenómenos da vida morta-viva. Os mortos-vivos não têm vitalidade. Só é verdadeiramente viva a vida que incorpora a morte. A histeria da saúde é a manifestação biopolítica do próprio capital.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Ars moriendi, ars vivendi

 Nesta dinâmica da diluição, Bénédicte Mariolle diagnostica uma tripla convulsão: em primeiro lugar, a relação ambígua que o ser humano vive com a própria morte, considerada, por um lado, como tabu, por outro lado, cada vez mais presente de modo virtual em nossas casas, através de séries, filmes ou jogos de vídeo que a banalizam. Um segundo ponto estaria ligado à dissolução da memória colectiva, associada à fluidez das relações sociaise à voracidade da informação consumida, que desgastam uma dimensão de memória longa e colectiva associada, sobretudo, ao dinamismo simbólico da prática liturgica e comunitári dos funerais. Finalmente, a questão da inconsistência do corpo: a prática cada vez mais comum de eliminação do cadáver, seja por cremação e subsequente dispersão das cinzas, seja por outros tipos de enterro fora do contexto comunitário, afastando o corpo individual do corpo social, fragmentando este último.


em Revista Brotéria, Novembro 2022

sexta-feira, 9 de junho de 2023

A morte de Ivan Ilitch

Todos vêem que ele tem dificuldades e dizem-lhe "Podemos interromper, se está cansado. Descanse." Descansar? Não, não está cansado e acabam a partida. Estão sombrios e silenciosos. Ivan Ilitch sente que foi o responsável por aquele tom soturno, e não consegue dissipá-lo. Ceiam e separam-se, e Ivan Ilitch fica sozinho com a consciência de que a sua vida está envenenada para ele, envenena a vida dos outros e que esse veneno não diminui, mas penetra cada vez mais no seu ser.

Com essa consciência, e com a dor física e o horror, vai deitar-se na cama e muitas vezes não dorme com dores a maior parte da noite. E de manhã tem de se leveantar outra vez e veste-se, vai para o tribunal, fala, escreve, e se não vai, fica em casa com aquelas vinte e quatro horas do dia, cada uma das quais um tormento. E tem de viver assim à beira da morte sozinho, sem uma única pessoa que o compreenda e tenha pena dele.

domingo, 4 de junho de 2023

A morte de Ivan Ilitch

 Muito depressa, não mais que um ano depois do casamento, Ivan Ilitch compreendeu que a vida conjugal, embora acrescente algum conforto à vida, no fundo é um assunto muito complicado e difícil em relação ao qual, para cumprir o seu dever, isto é para levar uma vida honesta, aprovada pela sociedade, é necessária uma atitude determinada, tal como para as funções oficiais.

E Ivan Ilitch adoptou essa atitude em relação à vida de casado. Exigia da vida familiar apenas os confortos - o jantar, a esposa em casa, a cama - que ela lhe podia dar, e principalmente uma decência exterior, detrminada pela opinião pública. 

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Footnote do Howl

Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy!

The world is holy! The soul is holy! The skin is holy! The nose is holy! The tongue and cock and hand and asshole holy!
Everything is holy! everybody’s holy! everywhere is holy! everyday is in eternity! Everyman’s an angel!
The bum’s as holy as the seraphim! the madman is holy as you my soul are holy!
The typewriter is holy the poem is holy the voice is holy the hearers are holy the ecstasy is holy!
Holy Peter holy Allen holy Solomon holy Lucien holy Kerouac holy Huncke holy Burroughs holy Cassady holy the unknown buggered and suffering beggars holy the hideous human angels!
Holy my mother in the insane asylum! Holy the cocks of the grandfathers of Kansas!
Holy the groaning saxophone! Holy the bop apocalypse! Holy the jazzbands marijuana hipsters peace peyote pipes & drums!
Holy the solitudes of skyscrapers and pavements! Holy the cafeterias filled with the millions! Holy the mysterious rivers of tears under the streets!
Holy the lone juggernaut! Holy the vast lamb of the middleclass! Holy the crazy shepherds of rebellion! Who digs Los Angeles IS Los Angeles!
Holy New York Holy San Francisco Holy Peoria & Seattle Holy Paris Holy Tangiers Holy Moscow Holy Istanbul!
Holy time in eternity holy eternity in time holy the clocks in space holy the fourth dimension holy the fifth International holy the Angel in Moloch!
Holy the sea holy the desert holy the railroad holy the locomotive holy the visions holy the hallucinations holy the miracles holy the eyeball holy the abyss!
Holy forgiveness! mercy! charity! faith! Holy! Ours! bodies! suffering! magnanimity!
Holy the supernatural extra brilliant intelligent kindness of the soul!

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Howl II

 What sphinx of cement and aluminum bashed open their skulls and ate up their brains and imagination?

Moloch! Solitude! Filth! Ugliness! Ashcans and unobtainable dollars! Children screaming under the stairways! Boys sobbing in armies! Old men weeping in the parks!
Moloch! Moloch! Nightmare of Moloch! Moloch the loveless! Mental Moloch! Moloch the heavy judger of men!
Moloch the incomprehensible prison! Moloch the crossbone soulless jailhouse and Congress of sorrows! Moloch whose buildings are judgment! Moloch the vast stone of war! Moloch the stunned governments!
Moloch whose mind is pure machinery! Moloch whose blood is running money! Moloch whose fingers are ten armies! Moloch whose breast is a cannibal dynamo! Moloch whose ear is a smoking tomb!
Moloch whose eyes are a thousand blind windows! Moloch whose skyscrapers stand in the long streets like endless Jehovahs! Moloch whose factories dream and croak in the fog! Moloch whose smoke-stacks and antennae crown the cities!
Moloch whose love is endless oil and stone! Moloch whose soul is electricity and banks! Moloch whose poverty is the specter of genius! Moloch whose fate is a cloud of sexless hydrogen! Moloch whose name is the Mind!
Moloch in whom I sit lonely! Moloch in whom I dream Angels! Crazy in Moloch! Cocksucker in Moloch! Lacklove and manless in Moloch!
Moloch who entered my soul early! Moloch in whom I am a consciousness without a body! Moloch who frightened me out of my natural ecstasy! Moloch whom I abandon! Wake up in Moloch! Light streaming out of the sky!
Moloch! Moloch! Robot apartments! invisible suburbs! skeleton treasuries! blind capitals! demonic industries! spectral nations! invincible madhouses! granite cocks! monstrous bombs!
They broke their backs lifting Moloch to Heaven! Pavements, trees, radios, tons! lifting the city to Heaven which exists and is everywhere about us!
Visions! omens! hallucinations! miracles! ecstasies! gone down the American river!
Dreams! adorations! illuminations! religions! the whole boatload of sensitive bullshit!
Breakthroughs! over the river! flips and crucifixions! gone down the flood! Highs! Epiphanies! Despairs! Ten years’ animal screams and suicides! Minds! New loves! Mad generation! down on the rocks of Time!
Real holy laughter in the river! They saw it all! the wild eyes! the holy yells! They bade farewell! They jumped off the roof! to solitude! waving! carrying flowers! Down to the river! into the street!

terça-feira, 9 de maio de 2023

A morte de Ivan Ilitch

 Gozavam todos de boa saúde. Não se podia chamar doença àquilo de que Ivan Ilitch por vezes falava: tinha um gosto estranho na boca e um certo desconforto no lado esquerdo do ventre.

Mas aconteceu que esse desconforto começou a aumentar e a transformar-se não ainda em dor, mas numa sensação de peso constante, acompanhada de mau humor. Esse mau humor, que se acentuava cada vez mais, começou a arruinar a vida agradavél que se estabelecera na família Golovin.